No dia 12 de maio de 2016, os consumidores brasileiros venceram mais uma batalha: conquistaram o direito de identificar no rótulo quais alimentos contém ingredientes geneticamente modificados — os chamados transgênicos — independente da quantidade apresentada nos produtos.
Sob a alegação do direito à plena informação, previsto no Código de Defesa do Consumidor, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, manteve decisão favorável à ação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e voltou a garantir a indicação no rótulo em alimentos que utilizam esses ingredientes.
Tal exigência estava suspensa desde 2012 pelo STF, que atendeu ao pedido da União e da Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia), onde defendiam a aplicação do Decreto n° 4.680/03, que flexibiliza a exigência de rotulagem apenas para produtos com mais de 1% de ingredientes geneticamente modificados.
Mas afinal, transgênicos são nocivos à saúde? Para ampliar a discussão em torno da segurança dos alimentos geneticamente modificados, o GEN conversou com a nutricionista Eralda Ferreira, especialista em Nutrição Clínica e Nutrição em Saúde Pública. Confira.
GEN: De acordo com o Portal RGNUTRI, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos conduziu um dos maiores estudos sobre organismos geneticamente modificados (OGM), revisando 900 artigos científicos dos últimos 30 anos, quando as primeiras sementes transgênicas foram cultivadas. A conclusão foi que não há evidência alguma de que os transgênicos causem mal a saúde ou a meio ambiente. Você concorda?
Eralda: Se o estudo foi conduzido dentro dos critérios científicos, considero-o aceito como o conhecimento atual sobre o assunto. Mas esta verdade científica de hoje, pode e deve ser questionada e reanalisada quando novas evidências surgirem. Alguns profissionais colocaram a semente transgênica como um grave risco à saúde sem nenhuma evidência que comprovasse esse risco, sem qualquer dado que sustentasse essa suspeita. Isso gera medo, raiva e desconfiança sem provas, somente pela massificação da informação, ou melhor, da falta de conhecimento. O que intriga é que todo o esforço científico e tecnológico necessários para a elaboração de uma semente modificada que fortaleça o desenvolvimento da agricultura do país, não tenha a mesma disseminação. A Embrapa acaba de divulgar o desenvolvimento de uma semente de maracujá da caatinga que resistirá a praga e ao clima, um projeto conjunto com o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento). Todo este trabalho, investimento e tecnologia brasileira são dignos de orgulho nacional.
GEN: Ainda de acordo com o site, existem espécies de transgênicos que podem ter um impacto negativo sobre a saúde, como por exemplo, o arroz dourado – arroz com gene de uma bactéria que é capaz de produzir vitamina A. Isso é verdade?
Eralda: O arroz dourado foi introduzido em uma escala muito pequena na população brasileira. Para que se possa avaliar o real impacto na saúde, seria preciso um longo período de consumo por um número maior de pessoas. A hipovitaminose A é uma carência nutricional que pode acontecer em cidades desenvolvidas, como o Rio de Janeiro, e está associada a sucessivas infecções e diarreia, além da deficiência visual no caso de carências mais graves. O objetivo do uso da tecnologia seria elaborar um produto para ser recomendado para um público específico, como populações com deficiência desta vitamina, normalmente de condição econômica mais vulnerável. Basta saber a possibilidade de acesso a este alimento, sua aceitação no consumo regular e quantidade de ingestão necessária para atingir o nível da suplementação desejada relacionada ao efeito saudável. No caso do Brasil, existem outros alimentos que fazem parte da nossa cultura alimentar como manga, cenoura, abóbora, batata doce que são fontes de carotenoides, alguns dos precursores da vitamina A. A pergunta que se pode fazer é: precisamos de arroz dourado no Brasil? Se houver impacto positivo na saúde e na agricultura e se for uma alternativa a suplementação injetável, estabelecida na política nacional de alimentação e nutrição, sendo menos dispendiosa e mais segura, vamos experimentar! Algumas vitaminas em excesso podem causar efeitos adversos à saúde, similares a sua deficiência.
GEN: O documento citado, porém, reconhece que algumas plantas e insetos estão desenvolvendo resistência aos herbicidas e isso pode levar a um problema agrícola – onde as regras de gestão não são seguidas para evitar que estas resistências apareçam. De fato, a informação está correta?
Eralda: A natureza sempre encontra um meio de resistir. Temos muitos problemas de saneamento básico e recolhimento de resíduos no país, o que facilita a capacidade de resistência destas pragas e dificulta a manutenção de barreiras sanitárias entre cidades e cultivos. Para reduzir o problema é preciso uma ação nacional integrada, com fortalecimento de órgãos orientadores dos agricultores, como os extensionistas da EMATER do Ministério da Agricultura, por exemplo, e os outros órgãos de competência sobre este tema. Conheço o trabalho deles no Estado e é espetacular. O projeto Rio Rural está realizando uma transição para a Agroecologia, mas é um processo demorado e custoso, que por enquanto continua sendo efetuado, apesar da situação atual.
GEN: Quais os benefícios para a sociedade com essa decisão?
Eralda: A sociedade sempre se beneficiará com o direito da escolha dos alimentos, e para isso, é fundamental ter informação. Assim, estabelecemos a oportunidade do consumo consciente e uma relação de confiança com a indústria alimentícia.
Histórico da ação
Relembre os principais fatos envolvendo a ação do Idec para garantir a rotulagem de transgênicos:
2001: Idec entra com Ação Civil Pública contra a União para exigir informação clara no rótulo de alimentos sobre o uso de transgênicos, independentemente do teor de ingredientes geneticamente modificados presentes
2003: publicado o Decreto 4.680/03, que exige rotulagem apenas para produtos com mais de 1% de transgênicos
2007: sentença acolhe o pedido do Idec e obriga rotulagem de transgênicos, independentemente do teor. União e Abia entram com recurso
2009: TRF-1 rejeita recurso e mantém sentença favorável aos consumidores, fruto da ACP do Idec. Abia e União recorrem ao STF.
2012: ministro do STF Ricardo Lewandovski acolhe pedido da União e Abia e concede liminar suspendendo decisão do TRF-1 até que o recurso seja julgado.
maio de 2016: ministro Edson Fachin, do STF, julga e rejeita o recurso, validando decisão do TRF-1 que garante a rotulagem de qualquer teor de transgênicos, como pediu o Idec em 2001.
Fonte: Idec
Nutricionista Eralda Ferreira
Formada pela UNIRIO em Nutrição, é Personal Diet com experiência de 22 anos de Nutrição Clínica (Faculdade São Camilo) e Nutrição Oncológica no INCA, e 17 anos de Nutrição em Saúde Pública.
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